A solidariedade da beira da estrada.

Quando fiz o meu primeiro Caminho de Santiago há dez anos, prometi a mim mesmo que comemoraria os 70 anos andando no mesmo Caminho de Santiago. Com a pandemia, porém, não foi possível viajar à Espanha, além de que, por razões familiares não disponho de muito tempo.

Daí, resolvi andar por aqui mesmo, na Bahia, saindo da porta de casa, de modo igual ao que fazem muitos europeus ao partirem para o Caminho de Santiago. Assim, parti para cobrir os 180 km que separam a minha casa, em Salvador, da minha cidade natal.

No início, caminhei ao lado de rodovias movimentadas, o que é bem desconfortável. O pior é o constante passar de carros e caminhões. Deslocam uma imensa massa de ar, levantando poeira e água nas pistas molhadas pela chuva intermitente e, às vezes, intensa. Claro que isso não me faria, como não me fez, parar.

Depois de muito andar, bem cansado e todo molhado, parei para descansar sob a marquise de uma churrascaria, num posto de gasolina. Completamente exausto, deitei-me no chão a uns 30 metros da entrada da churrascaria.

Logo apareceu um senhor que, muito constrangido, me pediu para ir descansar em outro lugar, pois ali era o lugar em que a fila se formaria um pouco mais tarde. Entendi perfeitamente. Ele, para compensar, me ofereceu um café, que aceitei prontamente enquanto me mudava de lugar.

O sentimento primeiro foi de que era um joão-ninguém e estava sendo enxotado dali, contudo pensei: essa é a vida de um caminhante, e fui embora.

No final dessa etapa, me hospedei numa pousada de beira de estrada. Aliás, como todas as demais, frequentada por motoristas de caminhão e daqueles que têm a estrada como lar. Pouco nos falamos, limitando-nos apenas aos cumprimentos corriqueiros, mesmo compartilhando os mesmos ambientes, como lanchonetes e restaurantes. Nesse ambiente me sentia um peixe fora d'água. Para completar, caminhava sentindo as dores dos primeiros dias e chegando muito mal nas paradas para dormir.

Mas nada como um dia após o outro. Parti e adiante, à beira da estrada, me deparei com um grupo que ia começar o trabalho do dia: limpar o mato às margens da rodovia. “Bom dia!”, saudei o grupo. Um dos trabalhadores me perguntou se eu não queria tomar um café. Claro, respondi.

Tirei a mochila e percebi que iriam começar a tomar o café da manhã. A “mesa”, um carrinho de mão ainda com restos de cimento, tinha um saco de pão, mortadela, manteiga e uma garrafa térmica com café. Após as apresentações, serviram-me de café num copo descartável e me disseram para servir-me de pão e de mortadela.

No meio do café, alguém trombou no carrinho de mão e Ronilton, que me convidara para o café, brincou: “Cuidado para não quebrar a mesa de cedro!”. Todos riram. Ele me explicou que essa estória veio de um trabalho que foi fazer na casa de um “barão” e, ao esbarrar em uma mesa, logo lhe chamaram a atenção para ter cuidado porque a mesa era de cedro.

Perguntaram para onde eu iria. Quando respondi, disseram que Joilson, outro trabalhador, era de uma cidade vizinha e que “ele comanda lá”. Comentei que, ao chegar lá, iria usar o nome dele. Aí Ronilton caçoou: “Ele comanda... Você sabe, né?”. – Hum, entendi. Uma gargalhada só tomou conta da manhã e definiu o humor daquele grupo.

Ao final do café, tiramos uma foto e me despedi de todos, agradecendo imensamente a solidariedade e a simpatia deles. A partir daí as minhas dores sumiram e caminhei muito bem.

Muito aprendi com a lição de generosidade daquelas pessoas. Os que menos têm são os que mais dividem. E elas muito têm a compartilhar.

Levi de Caminhas, em 08/07/2021

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